Técnicos do governo veem risco à Lei de Improbidade

Pareceres dos ministérios da Justiça e da Casa Civil sobre o projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa mostram preocupação de integrantes do governo com possíveis prejuízos ao combate à corrupção no País caso a medida seja aprovada. Os documentos, obtidos pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), foram elaborados pelas assessorias técnicas das pastas e sugerem mudanças no texto apresentado na Câmara pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP).

O presidente Jair Bolsonaro defende a votação do projeto e afirmou já ter conversado sobre o assunto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). O argumento de Bolsonaro é o de que a legislação atual "engessa" prefeitos, que deixam de agir com receio de serem processados. Entre as alterações discutidas na Câmara está a exclusão do artigo 11 da lei, que prevê punições a práticas que afrontem os princípios da administração pública, como nepotismo, "carteirada" e até "furada de fila" da vacinação. Segundo a proposta, apenas condutas que gerem enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos poderiam ser alvo de processos contra prefeitos e demais gestores.

"O texto revoga dispositivos importantes para o combate à improbidade e vai de encontro à finalidade do PL (projeto de lei), que é a de aprimorar o texto legal e conferir maior eficiência e eficácia ao combate à corrupção e à malversação dos recursos públicos", diz o relatório da Casa Civil, que recomenda alterações em 44 pontos do texto apresentado por Zarattini.

"A medida proposta caminha na contramão do melhor entendimento acerca da definição de improbidade, devendo ser rejeitada", afirma, por sua vez, parecer do Ministério da Justiça, em relação à exclusão do artigo 11. O documento é assinado por Roberto Domingos Taufick, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, e Augusto Levi Monteiro Galindo, coordenador-geral de Atos Normativos em Matéria Penal, e tem aval de Rodrigo Barros de Souza, chefe substituto da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos da pasta. Neste parecer, são 27 sugestões de alterações.

A Lei de Improbidade foi criada em 1992 como resposta à sensação de impunidade na gestão pública, em meio ao impeachment de Fernando Collor de Mello. As alterações gestadas no Congresso não preocupam apenas integrantes de áreas técnicas do governo, mas órgãos de investigação e juristas. Tanto o parecer da pasta da Justiça, comandada por André Mendonça, quanto da Casa Civil, chefiada por Braga Netto, são favoráveis a mudanças na lei para aprimorá-la, desde que contempladas as ressalvas feitas ao texto de Zarattini.

Os relatórios foram objeto de discussão após reunião entre governo, deputados e juristas que acompanham os debates sobre as mudanças, em fevereiro. Defensores do projeto negam que as alterações prejudiquem o combate à corrupção e alegam que a mudança define com mais clareza o que é improbidade e amplia a pena. "Não estamos tirando nada que tem a ver com corrupção, isso é argumento para criar comoção. Não existe isso", disse Zarattini ao Estadão.

O deputado afirmou que prepara nova versão do texto, que poderá ser votada diretamente no plenário, pulando etapas como a comissão especial criada em 2019 para discutir o projeto. O último encontro do grupo foi em novembro daquele ano.

<b>Perda de cargo</b>

Outra mudança criticada pelos técnicos do governo é a que trata sobre a perda de cargo. Hoje, um deputado condenado por desviar dinheiro público quando era prefeito, por exemplo, pode ter o atual mandato cassado. Na nova versão, o político só poderia ser apeado da cadeira que ocupa se, no momento da condenação, exercer a mesma função de quando cometeu o ato ilícito.

"Vamos levar em consideração os apontamentos, mas depende do enquadramento da pena. Não posso fazer uma pessoa perder o cargo público por uma irregularidade formal. Tem de ter muita clareza. Se for por enriquecimento ilícito, perde o cargo", afirmou Zarattini, que não deu previsão de quando apresentará a nova versão do texto.

Autor do projeto de lei, o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) disse que houve distorções no relatório. Entre os pontos que serão alterados, segundo ele, está a devolução do artigo 11, com nova redação. "Manifestei preocupação ao relator de alguns pontos e distorções que estavam transformando o projeto de lei em um cavalo de Troia, que iria flexibilizar e enfraquecer a lei", afirmou.

Favorável ao projeto, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), disse que a lei precisa ser mais específica em relação às condutas que podem ser punidas. Como mostrou o Estadão, Barros defende a contratação de parentes de políticos em cargos públicos, prática vedada pelo Supremo Tribunal Federal e enquadrada na Lei de Improbidade. "Precisamos definir uma regra. Não sou a favor nem contra. Estou dizendo que ser parente não pode ser motivo de restrição. Agora, vamos decidir quais casos."

Questionado se há previsão de quando a proposta poderá ser votada, Lira não respondeu. O Planalto não se manifestou. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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