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Arquitetos apostam em propriedade coletiva para oferecer locação social em SP

Os 48 metros quadrados de um apartamento com vista para a Praça Júlio de Mesquita, no centro de São Paulo, inauguram um modelo pouco explorado de gestão de imóveis em São Paulo: a propriedade coletiva. Administrado por uma associação de arquitetos e urbanistas chamada Fundo Fica, o espaço vai servir ao propósito de locação social, com valores que representam cerca de 20% dos praticados no mercado. A ideia principal é garantir habitação para famílias de baixa renda em áreas centrais.

Toda a operação do grupo deve ser bancada por associados, que podem contribuir com pequenas quantias a partir de R$ 15. O imóvel no centro da capital, por exemplo, foi doado à iniciativa depois de passar dez anos fechados. Os proprietários, um casal estrangeiro, preferiram não se identificar. Atualmente, são apenas 25 contribuidores. Com pouco mais de R$ 54 mil em caixa, a associação quer triplicar este valor para a compra do segundo apartamento até julho de 2018.

“O modelo do Fica é um experimento para mostrar que é possível”, diz o pesquisador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) Gabriel Palladini, um dos associados do fundo.

O valor cobrado dos residentes deve girar em torno de R$ 584 por mês, já incluídos R$ 246 de condomínio, R$ 18 de IPTU, R$ 20 de seguro e R$ 100 de manutenção. Normalmente, um aluguel no prédio sairia por R$ 1.200. Uma parte do aluguel social também será destinada ao Fica – R$ 200, metade para o custeio da associação e metade para o fundo.

O apartamento da região central vai passar por uma reforma estrutural e deve ficar pronto até o fim do ano para receber ao menos quatro moradores já no primeiro semestre do ano que vem. O processo de seleção ainda será definido, mas o plano é escolher famílias que ganhem até dois salários mínimos. Critérios de gênero e raça, assim como a proximidade do local de trabalho e o risco iminente de despejo, também serão levados em consideração.

O grupo ressalta que a proposta não é substituir as políticas habitacionais do governo, e sim complementá-las. Atualmente, o programa de locação social da Prefeitura de São Paulo tem 903 unidades distribuídas em seis empreendimentos. Juntas, elas custam em média R$ 258 mil por mês para o poder público. Ao lado de programas federais e estaduais, o projeto da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) tem o desafio de combater um déficit habitacional de 368 mil domicílios.

Professora da FAU-USP, a arquiteta Marina Grinover, outra associada do Fica, afirma que o grupo pode agilizar reparos, lidar com inadimplentes e prevenir fraudes de forma mais eficiente que o poder público. “O governo tem recursos para comprar a terra, mas não tem condições de fazer a gestão desses imóveis”, afirma.

Novos tipos de gestão

Em agosto, o Ministério das Cidades liberou para o município de São Paulo R$ 50 milhões para reforma, requalificação e construção de dez edifícios para locação, com 441 unidades habitacionais na região central. Segundo o secretário municipal de Habitação, Fernando Chucre, esses imóveis devem ficar prontos para uso no final de 2018 ou início de 2019.

Para estas moradias, a Sehab deve experimentar três modelos de gestão: o público (utilizado atualmente), o privado (com o chamamento de empresas terceirizadas) e o de entidades civis (como o Fundo Fica e movimentos de direito à habitação), afirma Chucre.

“Concordo com a tese que o poder público tem dificuldade na gestão desses empreendimentos, mas vamos testar isso”, disse Chucre. “Estamos chamando universidades para monitorar esses empreendimentos. Estamos avançando com o Mackenzie”.

O financiamento público federal é parte de uma das três apostas da Sehab em locação social. A pasta também pretende fazer chamamentos voltados para a iniciativa privada para utilização de imóveis subutilizados para locação social, em que a Prefeitura pagaria parte do aluguel. Além disso, a secretaria quer fazer parcerias público-privadas para requalificação de prédios e construções em prédios da prefeitura. Segundo Chucre, a meta é entregar 25 mil moradias até 2020, contando outros programas de habitação da Sehab.

O especialista em habitação Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, elogia a opção pela locação social, mas afirma que o investimento em programas do tipo deve ser maior e mais urgente. “A experiência que temos de locação social em São Paulo começou em 2002, mas ainda é muito pouco. Temos que sair da questão experimental para uma ação massiva. Deveria ter pelo menos 10 mil unidades para haver impacto no déficit habitacional”, opina Kohara.

Nesse sentido, Kohara afirma que a participação de organizações sociais é fundamental para a transformação nos programas públicos de locação. No entanto, o Fundo Fica continua a ser a única iniciativa civil a se aventurar na área. Para Marina Grinover, a lentidão faz parte de um processo de construção social em torno do direito à cidade e à habitação: “A cidadania é uma prática, não uma ideia. Todo dia você tem que ser cidadão; o governo não tem condições de fazer isso”.

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