Uma alteração contratual feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento de R$ 22,5 bilhões firmado com a Hidrelétrica de Belo Monte livrou o consórcio Norte Energia, dono da usina, do pagamento de uma multa para o banco público, sanção que poderia chegar à cifra de aproximadamente R$ 75 milhões.
A punição deixou de existir porque o banco concordou em alterar as datas de execução de obras da usina, que está em construção no Rio Xingu, no Pará. Ao mudar o cronograma original que exigia do consórcio, as multas por atrasos simplesmente desapareceram.
O acordo entre o banco e o consórcio foi viabilizado com a assinatura de um termo aditivo, firmado no fim do ano passado, no qual foram alteradas as datas de alguns “marcos físicos” da obra. Pelo contrato original, esses prazos poderiam ser alterados em até 120 dias, mas o BNDES decidiu que não haveria problemas em prolongar algumas etapas da obra em mais de um ano.
Com isso, o desvio do Rio Xingu, por exemplo, que estava previsto para junho de 2014, foi jogado para agosto de 2015. O início do enchimento do reservatório, ação que tinha de ser realizada até dezembro de 2014, foi automaticamente reprogramada para outubro deste ano.
Sem nenhum prejuízo para o consórcio, o BNDES manteve ainda a mesma possibilidade de prorrogar, por mais 120 dias, os novos prazos. Pelas regras do próprio banco, se uma empresa descumpre compromissos assumidos em seus financiamentos, devem ser alvos de multa de 1% sobre o valor restante do financiamento, ou seja, sobre o montante que ainda não foi liberado.
O BNDES faz segredo sobre as liberações que fez ao consórcio, sob alegação de que “há restrições legais” para liberar essas informações. Mas a Norte Energia, em seu balanço administrativo mais recente, informou que já havia recebido R$ 14,9 bilhões do banco até setembro passado. O alvo potencial da multa de 1%, portanto, seria R$ 7,6 bilhões que, à época, a empresa ainda tinha a receber.
Repactuação
O banco afirmou que as regras de seus contratos podem ser renegociadas com os tomadores de financiamento. Por meio de nota, declarou que as cláusulas que tratam dos marcos físicos da Hidrelétrica de Belo Monte “são utilizadas como referências para o acompanhamento das obras” e que essas “podem ser repactuadas, como ocorre entre as demais instituições financeiras e seus clientes”. Perguntado sobre o fato de que, ao alterar o cronograma da usina, o banco afastou a possibilidade de aplicação de multa sobre a Norte Energia, o BNDES reconheceu que as sanções só podem ser aplicadas em casos de descumprimento de regras sem autorização prévia.
A reportagem questionou o banco sobre a decisão de prorrogar as datas de obras da hidrelétrica, no momento em que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) analisa a possibilidade de punir a Norte Energia pelo atraso. Em resposta, o BNDES alegou que financia projetos “que atendam às suas diretrizes operacionais”. A Norte Energia declarou que a assinatura do termo aditivo com o BNDES ocorreu “estritamente dentro das normas e do planejamento do empreendimento”.
Porém, na avaliação de Leonardo Amorim, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), que monitora as medidas compensatórias ligadas à construção da usina, as alterações no contrato trazem preocupações. “Não existem motivos para um banco público já ter mudado as regras do jogo, abrindo mão das sanções contra uma empresa privada, se o descumprimento de prazos ainda está sendo considerado pela Aneel e os argumentos podem ser incapazes de livrar a empresa de sanções”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.