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Cientistas endurecem críticas contra fusão de ministérios

A fusão dos ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e de Comunicações pelo governo interino recebeu críticas contundentes de alguns dos mais importantes membros da comunidade científica que se reuniram na quarta-feira, 8, em São Paulo, com o ministro Gilberto Kassab.

Pelo menos 15 instituições científicas entregaram a Kassab cartas e manifestos de repúdio à decisão de fundir as duas pastas. O ministro viu também diversas lideranças acadêmicas refutarem os argumentos usados pelo governo para justificar a fusão das duas pastas, classificando a decisão como “algo sem sentido” e “um retrocesso”.

Cientistas ouvidos pela reportagem foram unânimes ao afirmar que não desistirão de pressionar até que o governo reverta a decisão que criou o novo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC). Pesquisadores também manifestaram desconfiança em relação à prioridade dada pelo governo interino à pesquisa científica.

À imprensa, Kassab não respondeu se o governo interino pode reconsiderar a fusão dos ministérios, mas disse que “é uma decisão de governo, não uma decisão de ministério” e que “há quase uma unanimidade na nação brasileira de que o número de ministérios precisa ser reduzido”.

O ministro reiterou que o objetivo da fusão não é reduzir custos, mas sim “aumentar a eficiência do governo” e afirmou que “foi incorporado em um setor (Comunicação) que convive bem com a tecnologia, inovação e pesquisa.”

Durante o encontro, Kassab anunciou que anteontem o MCTIC recuperou R$ 1 bilhão do orçamento de R$ 1,8 bilhão que estava contingenciado. O ministério receberá R$ 600 milhões imediatamente e R$ 400 milhões até o fim do ano. Ele anunciou também R$ 400 milhões para um programa de satélites.

A reunião, que teve a presença de representantes das principais sociedades científicas brasileiras, foi solicitada por Kassab à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que organizou o evento. Segundo Kassab, “o objetivo era me apresentar como ministro e me colocar à disposição para estabelecer parcerias”.

Manifestos

O evento foi o terceiro encontro do ministro com cientistas desde que assumiu a pasta. Há dez dias, ele se reuniu com alguns dos principais líderes acadêmicos paulistas na Universidade de São Paulo (USP). Na ocasião, Kassab anunciou pela primeira vez que “o MCTI não foi extinto” – e sim fortalecido. Os pesquisadores então presentes não abordaram o tema da fusão dos ministérios.

Desta vez, no entanto, o debate sobre a fusão das pastas foi predominante. Segundo a SBPC, o ministro recebeu manifestos contra a fusão de pelo menos 15 instituições científicas, incluindo a Sociedade Brasileira de Física, a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), a Sociedade Brasileira de Química, o Museu Emílio Goeldi, a Sociedade Brasileira de História da Ciência e as universidades federais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. A SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) já haviam se manifestado formalmente contra a fusão.

O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, criticou a opção pelo MCTI para abrigar a pasta de Comunicações. “Juntar a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) com ciência e tecnologia não tem sentido. Juntar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos com ciência e tecnologia também não tem sentido. São atividades com práticas muito diferentes e métodos muito diferentes”, afirmou Davidovich.

O cientista também lamentou que a comunidade científica não tenha sido consultada antes da decisão pela fusão dos ministérios. “Temos críticas também em relação à forma como foi feita (a fusão)”, disse Davidovich.

Ele afirmou que a fusão torna ainda mais preocupante a redução dos investimentos do MCTI nos últimos cinco anos. “Vivemos um retrocesso.

Primeiro, com uma queda abrupta do investimento em ciência. Depois, com um mudança administrativa que não se explica, feita sem diálogo”, disse Davidovich.

Ressaca

Davidovich também mostrou preocupação com a prioridade dada pelo governo interino à ciência. Ele disse ter lido integralmente o programa de governo de Michel Temer, intitulado “Ponte para o Futuro” e afirmou que a palavra “ciência” nem aparece no projeto.

“Li atentamente esse documento e não achei uma única vez a palavra ciência. No Rio de Janeiro sabemos que pontes sem ciência e tecnologia caem na primeira ressaca”, disse Davidovich, em referência à ciclovia Tim Maia, no Rio, que desabou após ser atingida por uma ressaca, matando duas pessoas.

Kassab disse à reportagem que, ainda que o plano de governo ignore o termo ciência, é possível convencer a comunidade científica que o governo dá importância à atividade. “Não participei da elaboração do plano, mas posso afirmar que o presidente Temer dá prioridade à questão da ciência e pesquisa. Tanto é assim que tivemos 16 ministérios dissolvidos e o de ciência se mantém. Se isso não é prioridade, não sei o que é”, afirmou.

A presidente da SBPC, Helena Nader, declarou que a comunidade científica é contra a fusão dos ministérios, mas disse ter maior preocupação com os cortes de verbas que, segundo Kassab, foram reduzidas de R$ 10 bilhões para R$ 4,5 bilhões em uma década.

Helena, no entanto, se posicionou a favor da volta do MCTI, que ela afirmou ser “o articulador central das políticas de ciência”. Ela criticou o fato do presidente interino Michel Temer não ter se manifestado sobre a resistência dos cientistas à fusão. “Não se teve uma resposta do presidente da república, nada. Ele é interino mas é o representante atual. Não é um bom sinal. Não temos crítica à sua pessoa. Sabemos da sua capacidade de trabalho, mas temos preocupação”, disse ela a Kassab.

Óleo e água

O vice-presidente da SBPC, Ildeu Moreira, professor do instituto de Física da UFRJ se declarou “frontalmente contra” a fusão criticou os argumentos usados para justificá-la. “O ministro já disse que o argumento de economia de recursos não é significativo – e claramente não é. Sobre o argumento do aumento de eficiência, achamos muito arriscado fundir dois ministérios que tem práticas, procedimentos, estratégicas, missões e instrumentos muito diferentes. Não sei que eficiência pode vir daí. É como óleo e água”, disse Moreira.

Moreira comentou também o argumento de que as áreas de Ciências e Comunicações teriam afinidades. “Há similaridades, mas é porque o MCTI tem um caráter transversal e terá similaridades com quase todos os ministérios. Exatamente por ser transversal nos parece que ele deve liderar o sistema nacional de ciência e tecnologia, como fazia antes dos cortes de orçamento dos últimos anos.”

A reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili, entregou a Kassab um manifesto contra a fusão dos ministérios assinado por 12 universidades federais e pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

“Entendemos que os rumos de ciência, tecnologia e inovação devem ser tratados com atenção especial, como efetiva política de Estado, pois são pilares fundamentais para o desenvolvimento do Brasil em todas as suas dimensões. É imperativo que o MCTI seja restabelecido”, disse Soraya.

“Nos somamos a todos que manifestaram aqui rejeição à fusão (dos ministérios)”, disse Anselmo Colares, vice-reitor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). “Ela poderá trazer redução de recursos, o que para nós que trabalhamos na Amazônia é ainda mais dramático”, disse.
Sem trégua. Após o evento, o biólogo Marcos Buckeridge, professor da USP e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo afirmou que os cientistas não desistirão de lutar contra a fusão, que ele classifica como “algo sem sentido”. Buckeridge disse a Kassab ser “totalmente contra a fusão”.

“As respostas do ministro sempre indicam que a decisão será mantida. Mas deu para ver aqui que nós (cientistas) estamos em peso contra essa fusão. Nas próximas reuniões, no Rio e em Minas Gerais, o ministro ouvirá a mesma mensagem. Se ele levar essa mensagem ao presidente interino é possível que tenhamos uma chance de reverter a decisão”, declarou Buckeridge.

Buckeridge afirmou que a área de Comunicação poderia ter sido agregada a outro ministério que fosse “mais administrativo e menos estratégico” e disse que a fusão com um ministério sem nenhuma relação com ciência atrapalha as atividades ligadas à pesquisa.

“O produto do MCTI é o conhecimento, aplicação do conhecimento, interação com a academia. O de Comunicações é mais ligado a concessões e radio e TV, tem um outro viés – incluindo ligações com a igreja – e um outro modo de operar. Não vemos como os dois modos de operar tão diferentes possam ser mesclados de alguma maneira que seja melhor para ambos os lados. Vira um colcha de retalhos e isso atrapalha o funcionamento do MCTI.”

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