Economia

Comércio e serviços devem cortar vagas formais

Os dois setores que mais empregam no Brasil não suportaram a pressão da inflação elevada, do aumento dos juros e principalmente da queda na renda e começaram um ajuste rápido em seu contingente de trabalhadores. Diante da demanda das famílias cada vez mais tímida, comércio e serviços caminham para ter, neste ano, o primeiro corte de vagas formais após mais de uma década sustentando o crescimento do mercado de trabalho do País.

Só o comércio vai fechar mais de 83 mil postos formais, na previsão da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que considera a evolução do varejo ampliado (desde setores tradicionais até veículos e materiais de construção) e do atacado no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A entidade não tem uma estimativa fechada para serviços, mas sustenta que a tendência para o setor é até pior. “O impacto é ainda mais forte em serviços porque é mais intensivo em mão de obra”, explica o economista da CNC Bruno Fernandes.

Sem escapar da desaceleração da atividade evidente desde o início do ano passado, tanto comércio quanto serviços adiaram por um bom tempo o ajuste no pessoal ocupado. Mas a recuperação cada vez mais distante levou os empresários a uma revisão dos planos. Desde o fim de 2014, o comércio vem enxugando o quadro de funcionários, movimento reforçado mais recentemente pelos outros serviços – que reúnem justamente os segmentos de serviços pessoais, como cabeleireiro e alimentação, mais sensíveis à renda das famílias.

Apenas em junho deste ano, os dois setores demitiram juntos 209 mil pessoas nas seis principais regiões metropolitanas do País em relação a igual mês do ano passado, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE. O levantamento considera tanto empregos formais quanto informais. O número representa 70% das dispensas no período.

Em muitos casos, a situação é tão dramática que inviabiliza o negócio. Na cidade do Rio, 1.280 lojas já fecharam nos primeiros cinco meses deste ano, uma alta de 33% em relação a igual período de 2014, segundo levantamento do Sindilojas Rio. “Considerando a média de funcionários, isso significa entre 13 mil e 20 mil demissões”, afirma o presidente da entidade, Aldo Gonçalves. Em todo o Estado, o número de lojas fechadas no período foi ainda maior: 3.290. “Considerando o cenário desfavorável, é mais provável que elas (pessoas demitidas) não tenham conseguido recolocação”, acrescenta.

Nem o comércio popular escapa do mau momento. No Saara, tradicional centro de compras no centro carioca, pelo menos 100 lojas estão à venda, algo incomum para a região. “O cenário é muito difícil, e o Rio de Janeiro ainda tem um agravante. A economia é muito voltada para o petróleo. A queda no preço do petróleo gera menos royalties ao governo, e ainda tem a corrupção na Petrobras”, diz Gonçalves. Segundo ele, os escândalos envolvendo a estatal drenaram receitas das prestadoras de serviços, o que deprimiu ainda mais a demanda do comércio local.

Diante do quadro, a sala de homologações na sede do Sindicato dos Empregados do Comércio no Rio de Janeiro (SECRJ) não fica mais vazia. A todo o momento há novos pedidos para ratificar demissões. Um levantamento feito pela entidade a pedido do Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, mostra que 2.460 pessoas fizeram a solicitação em junho deste ano, avanço de 7,3% em relação a igual mês do ano passado. Quando levados em conta os pedidos de demissão, o número chega a 3.126, alta de 22%.

Em São Paulo, a situação também é ruim, com o fechamento de 57 mil postos ao longo dos último meses. “Nunca tivemos um início de ano tão ruim para o mercado de trabalho do comércio como no ano de 2015”, conta o economista Jaime Vasconcellos, assessor econômico da FecomercioSP. Segundo a entidade, as vendas no comércio paulista já encolheram 4% este ano, e as demissões têm sido a principal maneira encontrada pelos empresários para lidar com a queda na receita e a menor demanda.

Nem as grandes escapam do mau momento da economia. A Via Varejo, dona das Casas Bahia e do Ponto Frio, anunciou há poucos dias que demitiu 4,8 mil pessoas no segundo trimestre deste ano. As posições foram cortadas em lojas, montadores, centros de distribuição e administrativo, e a empresa não descarta novas reduções de custo. Já o Grupo Pão de Açúcar, dono das bandeiras Pão de Açúcar e Extra, informou que dispensou 7 mil trabalhadores entre abril e junho.

O quadro nos serviços tampouco é alentador. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), estabelecimentos com preço médio entre R$ 30 e R$ 70 – que concentram um grande número de restaurantes e bares – são os mais afetados, com queda de 20% a 30% do faturamento. Já os mais caros e aqueles com tíquete médio entre R$ 20 e R$ 30 registram estabilidade.

Apenas bares e restaurantes que cobram em média R$ 20 ou menos estão vendo a clientela crescer. “As pessoas estão buscando lugares mais baratos para comer”, explica Paulo Solmucci Júnior, presidente da associação.

Com a pressão dos custos e o movimento em baixa, restaurantes e bares em geral reduziram o número de trabalhadores em 4,5% em todo o País no primeiro trimestre deste ano em relação aos últimos três meses de 2014, segundo levantamento da Abrasel. A alta de custos – principalmente com a energia elétrica, que subiu 42% só neste ano – e a redução no movimento pesam na decisão.

O comércio e os serviços geralmente são os últimos a demitir, mas o ajuste no mercado de trabalho desses setores tende a ser mais rápido, segundo economistas. Isso porque essas atividades são impactadas por um ciclo vicioso – e nada virtuoso. As dispensas antes concentradas na indústria e na construção diminuíram a demanda e aos poucos recebem reforços do comércio e dos serviços. Com isso, muito mais gente deixa de receber um salário, o que significa consumo ainda mais fraco e maior incentivo para as empresas continuarem com os cortes de pessoal.

“Não há perspectiva de recuperação em 2015 e 2016, até 2017. Enquanto houver retração de vagas formais, o ciclo vai piorar”, aponta Vasconcellos, da FecomercioSP. O especialista vê “algum equilíbrio” nas receitas do comércio apenas no segundo semestre de 2017.

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