Protagonista do maior escândalo de financiamento ilegal de campanhas no Brasil, a JBS adotou uma estratégia distinta para exercer influência política nos EUA, onde é uma das líderes do setor de carnes. Submetida a regras estritas de transparência, a companhia centrou esforços em atividades de lobby, nas quais gastou US$ 7,15 milhões (R$ 24 milhões) desde 2007, quase dez vezes o que investiu no apoio a candidatos.
Os valores são ínfimos quando comparados aos R$ 352 milhões doados oficialmente pela JBS na eleição brasileira de 2014 – cifra que, além disso, deve ser bem mais alta, considerando-se que há ainda uma boa parte de recursos doados por meio de caixa 2 ou do pagamento de propinas.
Analistas ouvidos pelo Estado disseram que é muito difícil campanhas receberem dinheiro não declarado nos EUA, ainda que a possibilidade de influência econômica nas disputas tenha se ampliado. Qualquer doação superior a US$ 200 (R$ 688) deve ser registrada.
No caso do lobby, a atividade é regulamentada e os contratados pelas empresas para defender seus interesses são obrigados a apresentar relatórios trimestrais ao Senado, nos quais descrevem quanto receberam, quais temas que promoveram e com quais Casas do Congresso e órgãos da administração interagiram.
No Brasil, as empresas usam o suborno e as doações legais ou via caixa 2 para influenciar as decisões dos parlamentares, disse o economista Mauricio Moura, presidente do Ideia Big Data, que divide seu tempo entre os EUA e o Brasil. “Uma coisa que a Lava Jato revelou, especialmente na delação da Odebrecht, é quanto custa um projeto de lei ou uma medida provisória. Pela primeira vez isso foi precificado. Havia um mercado de balcão legislativo”, afirmou.
Entre 2007 e 2014, a JBS registrou nos EUA o terceiro maior gasto com atividades de lobby entre empresas do setor de processamento de carnes. Nos anos seguintes, ela passou para a quarta posição. Os maiores valores foram registrados entre 2007 e 2011, quando a companhia gastou um total de US$ 4,36 milhões (R$ 14,6 milhões) para promover seus interesses em Washington, segundo o OpenSecrets, que monitora a influência do poder econômico na política dos EUA.
“Esse foi o período em que a JBS estava adquirindo empresas nos EUA”, lembrou o cientista político Mark Langevin, professor da Escola Elliott de Estudos Internacionais da Universidade George Washington e diretor da consultoria BrazilWorks.
Interesses. Os relatórios apresentados pelos lobistas da JBS mostram que um dos órgãos de interesse da administração era o Departamento de Justiça, responsável pela aplicação da legislação antitruste e a aprovação de grandes fusões.
No setor de processamento de carnes, os líderes de gastos com lobby no mesmo período foram a Tyson Foods e a Smithfields Foods, com US$ 11,26 milhões e US$ 6,45 milhões.
Sarah Bryner, diretora de pesquisa do OpenSecrets, disse que as regras e a exigência de transparência da atividade ficaram mais estritas a partir da década passada, depois de um grande escândalo de corrupção que envolveu o lobista Jack Abramoff, condenado a seis anos de prisão em 2006.
Nos anos em que trabalhou em Washington, ele promovia festas e jantares caríssimos para parlamentares e assessores, pagava viagens ao exterior e garantia ingressos para eventos esportivos. “A legislação mudou e presentes a congressistas passaram a ser proibidos”, diz Sarah, que considera o setor razoavelmente transparente.
Segundo ela, os gastos das empresas se destinam principalmente ao pagamento de salários dos lobistas, de suas despesas operacionais e de eventuais diárias de viagens. Apesar de terem de informar quais são as propostas legislativas que buscam influenciar, eles não são obrigados a revelar se são a favor ou contra.
Influências. No Congresso, a JBS concentra seus esforços em temas relacionados à importação de carnes e à contratação de mão de obra. Entre os projetos que defendeu estavam a fracassada reforma do sistema de imigração – que abriria a porta para a regularização de milhões de trabalhadores que vivem nos EUA sem papéis. Na mão contrária, a JBS se opôs à legislação que obrigava a colocação de rótulo na carne vendida no país que indicasse onde o animal havia crescido e sido abatido. Condenada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a medida acabou rejeitada pelo Congresso.
Registrado nos EUA como lobista da Brazil Industries Coalition, o brasileiro Antonio Josino Meirelles disse que a regulamentação não evita problemas no setor. Meirelles observou que o número de lobistas está em queda, um indício de que mais pessoas estão praticando a atividade de forma não declarada. Em 2007, havia 14.818 lobistas registrados. No ano passado, o número havia caído para 11.166.
Os gastos declarados passaram de US$ 3,52 bilhões em 2010 para US$ 3,15 bilhões em 2017. Apesar da redução, a cifra revela a enorme influência do poder econômico na política americana. A Câmara de Comércio dos EUA lidera de longe o ranking dos que destinam recursos ao lobby. Só no ano passado, a entidade gastou US$ 104 milhões (R$ 347,6 milhões). Procurada pelo Estado, a JBS não se manifestou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.