Cidades

Especialistas indicam ações para combater o trabalho infantil no Brasil

Foto: Bruno Cecim / Ag. Pará

Quando uma criança vende doces no semáforo ou se oferece para engraxar sapatos, ela está trabalhando. Por ser cenas comuns nos grandes centros urbanos, as pessoas costumam normalizar tais atos, sem se darem conta de que estão presenciando exemplos práticos de trabalho infantil.

De acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT), “o termo ‘trabalho infantil’ é definido como o trabalho que priva as crianças de sua infância, seu potencial e sua dignidade, sendo prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental”. E tal prática criminosa aumentou em todo o mundo, inclusive no Brasil, desde o início da pandemia de coronavírus.

Prova disso é que, no Estado de São Paulo, o mais rico da União, houve uma intensificação do trabalho infantil entre os meses de abril e julho de 2020, já em meio ao surto de Covid-19, segundo um levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

A utilização da mão de obra infantil cresceu 26% no período, entre as 52.744 famílias entrevistadas. Foram ouvidas pessoas, em situação de vulnerabilidade, de diferentes regiões de São Paulo.

Ainda de acordo com o UNICEF, no ano passado, o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil chegou a 160 milhões em todo o mundo – o que representa um aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos trabalhando, entre 2016 e 2020.

Atuante há mais de 13 anos promovendo a assistência e prevenção contra a prática de violência ou tratamento degradante à pessoa humana, em especial, à criança e ao adolescente, a ONG Núcleo Espiral tem se dedicado em divulgar ações para combater o crescimento e a manutenção de diversos tipos de violência, dentre eles, o trabalho infantil.

 

Políticas sociais e empregabilidade 

Segundo Mitiko Kuno e Daniela Bueno, psicólogas e facilitadoras do Núcleo Espiral, a origem do trabalho infantil é um fenômeno histórico em nosso país, como mostram diversos estudos. Essa realidade está ligada a uma desigualdade social que afeta diretamente famílias em vulnerabilidade social. “Com a crise econômica agravada pela pandemia do coronavírus e o desemprego em alta, mais famílias acabam necessitando que crianças e adolescentes também trabalhem. Para evitar tal tipo de situação, a administração pública – municipal, estadual e federal – deve promover políticas sociais capazes de garantir os direitos já existentes para esses familiares e essas crianças”, disse Mitiko.

Além disso, de acordo com as especialistas, os governantes precisam instituir programas visando a manutenção e a geração de empregos decentes aos adultos, o que diminuiria o número de crianças e adolescentes trabalhando no Brasil e no mundo. Ressaltaram, ainda, que essas pessoas possuem direitos e eles precisam ser garantidos. Além disso, mais do que as grandes questões, as especialistas também destacaram o impacto das pequenas ações cotidianas: “O caminho começa com a conscientização de que o trabalho precoce é um problema social”.

 

Campanhas contra marcas que utilizam a mão de obra infantil

Empresas que exploram crianças necessitam responder por tal ato. “Já sabemos, hoje, que o trabalho infantil prejudica a aprendizagem da criança, pode provocar acidentes, colocando-a em situações de risco e a tornando vulnerável para violências, assédios, entre outros crimes. Portanto, nós, como consumidores, ao saber que uma marca utiliza mão de obra infantil em sua produção, devemos evitá-la, bem como fazer campanha para que as pessoas deixem de comprar seus produtos ou serviços. Somente assim, haverá uma conscientização verdadeira”, destacou Daniela.

 

Observar o comportamento das crianças

A educação de uma criança não passa somente pelos pais ou responsáveis. Professores e familiares também são agentes importantes na formação dos jovens, bem como outras figuras que podem virar pessoas de referência durante seu crescimento. Por isso, observar o comportamento deles é extremamente importante. “Mãe e pai não são os únicos cuidadores. A nossa grande mensagem é que todos nós somos cuidadores: tios, vizinhos, cozinheira, etc. E o primeiro passo é enxergar nossas crianças, entender que somos pessoas de referência para elas e que podemos estender a mão. Um exemplo é quando uma criança chega à sua escola cansada, com sono e não consegue manter o foco na aula. Isso pode ser um sinal de que ela esteja trabalhando em períodos que deveriam ser destinados ao brincar ou a tarefas escolares. O cuidador será um termômetro que observará esse comportamento. Neste caso, cabe uma conversa com ela e responsáveis para entender a situação e ajudá-los a encontrar uma solução”, disse Mitiko.

 

Apoio a projetos que atuam no combate à violência infantil 

Por fim, Mitti e Daniela afirmaram que é essencial conhecer e apoiar a atuação de ONGs, como o Núcleo Espiral, que trabalham para evitar casos de violência infantil. “É importante disseminar informações confiáveis para um número cada vez maior de pessoas. Cada texto, arte ou vídeo elucidativo ajuda – e muito – na divulgação da mensagem, gerando uma grande conscientização social. A partir destas ações, começamos a ter outro olhar sobre o assunto”, pontuaram.

Elas também lembraram que o lugar de criança é estudando e brincando, não trabalhando. Também salientaram que a comunidade, como um todo, deve zelar para que os direitos do brincar, do estudar, do lazer e da saúde sejam garantidos para essas crianças. Assim, consequentemente, o desenvolvimento delas será priorizado.

“Desta forma, estaremos pensando no bem-estar delas, garantindo um lugar seguro e de afeto. Nós temos a responsabilidade compartilhada de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes, como consta no artigo 227 da Constituição Federal de 88: ‘É dever de todos, não só da família ou do Estado, mas da sociedade cuidar e garantir o desenvolvimento saudável à criança e ao adolescente’. E essa responsabilidade é aplicada ao nosso cotidiano”, finalizaram.

O cidadão que identifica uma situação de trabalho infantil tem um grande dever – seja para denunciar, ser um fiscal da lei ou um consumidor consciente. Compartilhar informações importantes no combate, apoiar ONGS e ser um termômetro dos comportamentos das crianças também são ações muito relevantes.

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