A pessoa que recebe o diagnóstico de câncer tem, sem dúvida, um enorme choque de realidade e, ao sair do consultório médico, sabe que em seu caminho haverá, além de muito sofrimento e luta pela cura da doença, a necessidade de dinheiro para o tratamento.
O paciente com câncer conta com uma proteção especial do Estado, diante da inesperada sobrecarga que se adiciona à vida, com custo emocional e financeiro em busca da cura. Para tanto, inúmeras são as leis e normas capazes de aferir direitos diferenciados aos portadores da doença. O custo dessa enfermidade, sem dúvida, é alto. Medicamentos de uso contínuo e exames caros são encargos pesados.
A advogada Karla Guimarães da Rocha Louro, do escritório Baraldi Mélega Advogados, explica que, uma vez diagnosticado com câncer, o trabalhador iniciará o tratamento médico, momento em que terá que se afastar do trabalho. “A empresa cumprirá suas obrigações até o 15º dia de afastamento, quando então o contrato de trabalho será suspenso. Ou seja, o empregador deixará de pagar os salários e o empregado passará a receber benefício previdenciário pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)”.
Karla Louro ressalta que a suspensão do contrato de trabalho atinge apenas os principais deveres das partes, “tais como a prestação de serviços e o pagamento dos salários. Logo, os efeitos do contrato não vinculados diretamente à prestação de serviços, como o direito ao plano de saúde, que permanece inalterado”.
O advogado de Direito Previdenciário Celso Jorgetti, da Advocacia Jorgetti, observa que, após a suspensão do contrato de trabalho, o paciente passará receber o auxílio-doença. “O trabalhador segurado da Previdência Social que ficar incapacitado para atividade habitual por mais de 15 dias poderá requerer o auxílio-doença, que equivale a 91% do salário de benefício. Entretanto, aos pacientes com câncer fica dispensado a carência, ou seja, o tempo de contribuição para tal requerimento”.
O trabalhador portador de câncer deverá requerer o benefício e solicitar agendamento de perícia médica junto ao INSS para comprovação da doença. No atendimento na Previdência Social, além dos documentos usuais para requerimento de benefício (RG, CPF, Carteira de Trabalho), o segurado deverá apresentar cópia do laudo histopatológico (estudo em nível microscópico de lesões orgânicas) e atestado médico com diagnóstico expresso da doença, CID (Código Internacional de Doenças); estágio clínico atual da doença e do doente e carimbo legível do médico com o número do CRM (Conselho Regional de Medicina).
Segundo Jorgetti, se o segurado, após perícia médica, for declarado incapaz de exercer as suas atividades laborativas e não estiver sujeito à reabilitação, ou seja, a incapacidade para o trabalho for considerada definitiva, terá direito a aposentadoria por invalidez.
De acordo com o advogado previdenciário João Badari, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados, o portador de câncer, segurado do INSS, poderá também requisitar o acréscimo de 25% na aposentadoria por invalidez caso necessite de assistência permanente de outra pessoa, durante o tratamento da doença. “Sempre que o segurado necessitar da assistência permanente de outra pessoa para exercer suas atividades diárias, terá direito ao acréscimo de 25% no valor da aposentadoria, mesmo que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal”.
Dever do Estado
O advogado de Direito Previdenciário do Escritório Guedes Advocacia, Franchesco Maraschin de Freitas, afirma que a Constituição Federal é taxativa quanto ao dever do Estado de assegurar a saúde a todos.
“Isso significa que todos, acometidos de qualquer doença, inclusive câncer, têm direito a tratamento pelos órgãos de assistência médica mantidos pela União, pelos estados e pelos municípios. O tratamento não compreende apenas a intervenção cirúrgica, mas também consultas, remédios, cirurgias, exames laboratoriais, tomografias, raio X, ultrassonografias, radioterapia, quimioterapia etc. O tratamento pode ser realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), visto o alto valor desprendido. O paciente tem o direito de se submeter ao primeiro tratamento no prazo de até 60 dias contados a partir do dia em que for diagnosticado”.
Resgate do FGTS
Além do tratamento hospitalar, os especialistas apontam que a legislação brasileira garante também algumas vantagens que podem possibilitar o melhor desenvolvimento no tratamento da doença, permitindo facilitar alguns aspectos da vida cotidiana como, por exemplo o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep.
“O trabalhador com câncer poderá resgatar tanto os depósitos do FGTS como os realizados no PIS/Pasep. As contas poderão ser movimentadas pelo empregado diagnosticado com câncer, assim como pelo trabalhador que tenha dependentes diagnosticados com a mesma doença. No que se refere ao PIS, o trabalhador receberá o saldo total depositado no programa. Quanto ao FGTS, a liberação do benefício poderá ser requerida quantas vezes forem necessárias enquanto presente o diagnóstico da doença”, garante a advogada Karla Louro.
As solicitações para o saque dos benefícios poderão ser feitas em agência da Caixa Econômica Federal (CEF), momento em que o trabalhador deverá apresentar os seguintes documentos: identificação do trabalhador e de seu dependente, quando for o caso; Carteira de Trabalho; comprovante de inscrição no PIS/Pasep; laudo médico histopatológico ou anatomopatológico; atestado médico e comprovação da condição de dependência do portador da doença, quando for caso.
O advogado Celso Jorgetti observa que o portador de câncer também poderá ter direito ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), benefício instituído pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). “É permitido para pessoas portadoras de câncer e visa garantir renda de um salário mínimo mensal. Para ter direito a esse benefício as pessoas devem comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida pela família e não requer contribuição para a Previdência Social. Além disso, não deve estar vinculado a nenhum regime de previdência social; não deve estar recebendo nenhum tipo de benefício e a renda familiar mensal (per capita) deve ser inferior a ¼ do salário mínimo”, revela.
Os especialistas também pontuam que o paciente com câncer tem direito a isenção do Imposto de Renda na aposentadoria e se a isenção for pedida após algum tempo da doença, é possível pedir a restituição do Imposto de Renda, limitada a cinco anos. Além da isenção de IPI na compra de veículos adaptados, neste caso o paciente com câncer é isento deste imposto apenas quando apresenta deficiência física nos membros superiores ou inferiores que o impeça de dirigir veículos comuns.
Trabalhadores não têm estabilidade
Os portadores de câncer não possuem estabilidade no trabalho. O advogado José Augusto Rodrigues Jr., sócio do escritório Rodrigues Jr. Advogados, explica que a legislação trabalhista não garante ao paciente com câncer nenhum tipo de garantia do trabalho, mas ele também não poderá ser demitido ou dispensado em função de haver contraído a doença.
“O contrato de trabalho não pode ser rescindido pela empresa, por conta do empregado estar com câncer. A empresa corre o risco de ser acionada na Justiça por dispensa discriminatória”, afirma.
Rodrigues Jr. alerta que o gestor empresarial deve lembrar que a empresa, segundo a Constituição Federal, possui uma função social e que não deve ser esquecida neste momento difícil do empregado. “Discriminar o empregado neste momento de dor e fragilidade é uma atitude desumana, à qual a Justiça do Trabalho não dá guarida”.
A advogada Karla Louro, do Baraldi Mélega Advogados, também reforça que, apesar de a legislação trabalhista não enquadrar o empregado diagnosticado com câncer como uma das hipóteses de garantia ou estabilidade no emprego, a jurisprudência apresenta diversas decisões nas quais considera discriminatória a dispensa do trabalhador em tal condição, por ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
“Os tribunais têm entendido que, embora não exista norma legal prevendo a estabilidade do portador de câncer, não se pode permitir sua dispensa arbitrária ou sem justa causa quando ciente o empregador da doença em questão. Nesta hipótese, o empregado terá direito à reintegração ao emprego.
Vale ressaltar que caso o empregado com câncer esteja com o contrato de trabalho suspenso, ou seja, afastado de suas atividades recebendo benefício previdenciário, o empregador não poderá dispensá-lo imotivadamente.
A advogada aponta, ainda, que existem reiterados casos na Justiça que discutem a suspensão do plano médico de saúde do trabalhador em tratamento para cura da doença. “Nesses casos as decisões têm entendido pelo restabelecimento imediato do plano de saúde”.
Tatiane Larissa Pavani Dallarmi, advogada trabalhista do A. Augusto Grellert Advogados Associados, também explica que os casos mais graves na Justiça estão ligados à discriminação. “A Justiça vem garantido todos os direitos aos portadores de neoplasia maligna, inclusive danos morais em casos mais graves como os de discriminação e dispensa sem motivos”.
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